A HISTERIA COLETIVA

10 de novembro de 2022, se hoje fosse vivo, o papai completaria 83 anos. Feliz aniversário, Seu André!

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“Cortar a ciência fundamental, movida pela curiosidade, é comer a semente do trigo. Talvez tenhamos um pouco mais para nos alimentar no próximo inverno, mas o que plantaremos para que nós e nossos filhos tenhamos o suficiente para atravessar os invernos futuros? (“O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro”, 1ª ed – 1995)

“A doutrina de que a Terra não é o centro do universo e nem é imóvel, e que se move, até mesmo, por rotação diária, é absurda, filosófica e teologicamente falsa, e pelo menos um erro de Fé”. Assim foi redigida a decisão da Congregação Romana contra Galileu (“O Livro dos Fatos” de Isaac Asimov, pág. 162)

“Euclides não elaborou praticamente nenhum dos teoremas da geometria “euclidiana”. Era um coletor de trabalhos de outras pessoas. Sua grande virtude foi ter colocado os teoremas geométricos, conhecidos no seu tempo, em ordem tão lógica que ficaram quase perfeitos.” (apud, pág. 168)

“Houve uma revolta na Inglaterra quando o calendário gregoriano foi adotado e o dia 3 de setembro de 1752 passou, sem mais nem menos, para 14 de setembro. Muitas pessoas insistiam que lhe tinham sido roubados onze dias.” (apud, pág. 399)

“[…] penso que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem.” (“Ensaio sobre a cegueira”, Saramago, 1995)

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A HISTERIA COLETIVA

No livro “Ensaio sobre a Cegueira”, Saramago apresentou um resumo contemporâneo do Ser: individualista, que busca pelo capital o bem-estar infinito em uma Terra finita, onde industrializa desejos, se apraz com tecnologias que enganam, mas, confortam nosso ego, criam ilusões “reais”.

É quando a mulher do médico diz: “O mundo está todo aqui dentro”, que Saramago põe todo mundo no mesmo barco da aflição existencial.

Freud nos disse que a cegueira pode ser provocada pela histeria: “Em circunstâncias de estresse e trauma, uma pessoa pode fabricar, psicologicamente, sua própria cegueira”.

A histeria coletiva, portanto, pode ser resultado deste Ser contemporâneo que, traumatizado e estressado – pela própria necessidade de se manter vivo- fica “cego” ante uma realidade que lhe agride as certezas.

Asimov, em seu livro “O Cair da Noite”, coloca o Ser em um planeta onde, por conta de orbitar seis sóis, a última noite aconteceu há 2049 anos.

Assim, gerações, inclusive a atual, no planeta “Terra de Lagash” não conhecem a escuridão e nem mesmo a existência de outras estrelas, planetas, satélites etc, pois, a claridade intensa não permite ver o além do seu céu brilhoso.

Em dado momento, eis que a noite vai chegando, por pura obra da ciência física, astronômica e kleperniana.

As explicações e soluções para “o problema” que, de início, eram razoáveis e dentro da, então, “normalidade”, vai, à medida que a sombra da escuridão aumenta, chegando ao limite do lógico para, enfim, ultrapassar a razão.

O pânico, a histeria coletiva se instala.

Um dos grandes problemas do povo de Lagash é a total falta de dados, de registros históricos de “outras noites”, normais e resultantes de um clico natural, e ausência de conhecimento científico sobre a questão. Como se disse, nem sabiam que haveriam outras estruturas, outros sistemas celestiais, além das do que vivem.

O livro é de 1941.

H. G. Wells escreveu um romance de ficção: “A Guerra dos Mundos”, no final do século XIX.

Em 1938, antes da 2ªGuerra Mundial, mas com rumores cada vez maiores de sua deflagração, a rádio Columbia Broadcasting System (CBS), em Nova York, resolveu adaptar o conto e o narrar, inicialmente por 30 minutos, mas, depois, incidentalmente na programação normal.

Era dia 30 de outubro, Halloween por lá. O romance fala de uma invasão de marcianos a Terra.

Como alguns ouvintes não pegaram o início do programa, acabaram por acreditar, realmente, que estava ocorrendo uma invasão extraterreste no mundo. As ruas de Nova York e de Nova Jersey ficaram cheias de pessoas, ora orando, ora bradando com vigor palavras contra a “ameaça” imaginária.

Quando Fao Troffea começou a dançar sem música, em Estrasburgo, França, as pessoas ao redor, no início acharam interessante e batiam palmas.

A dançarina, estranhamente, não parava e em poucos dias era acompanhada, na dança sem música, por cerca de 34 pessoas. Em um mês, já eram 400 e começaram a morrer por exaustão, por inanição e ataque do coração. Ficou registrado que, em certo momento, morriam em média 15 por dia.

Esse caso de histeria coletiva é bastante interessante de ser analisada cientificamente, pois, primeiro os especialistas, médicos e astrônomos de então, chegaram à conclusão que o “fenômeno” era causado pelo “sangue quente” dos dançantes.

Depois, tiveram uma grande ideia – pensavam que era – para fazer parar a dança: construíram palcos, com músicos ativamente tocando. Tinham que, com o estímulo as coisas iriam se resolver. Circo armado, ao invés de arrefecer, aumentou a histeria, com mais e mais pessoas chegando e dançando.

Pararam de dançar de repente quatro meses depois, voltando ao normal, menos para os que morreram, claro.

Quando alguém gritou “fogo” no Cine-Teatro Oberdan, em São Paulo, talvez não imaginava a tragédia que provocaria.

O ano era 1938, dia 4 de Abril e era exibido o filme “Criminosos do ar” (Criminals of the air, 1937, direção de Charles Coleman).

O grito de “fogo” ocorreu no momento em que, no filme, dois aviões se chocavam em pleno ar e se incendiavam.

A tela projetada se encheu de fogo e fumaça, os fumos e cheiros dos cigarros, cachimbos e charutos vindo da própria plateia se encarregaram da ilusão histérica.

Pessoas se acotovelando e se empurrando para sair do local acabaram por pisotear e imprensar outras até a morte: mais de 30 pessoas, crianças e adolescente no meio, morreram.

Historiada, contada, recontada e, até mesmo, tema de excelente filme, é famosa a histeria coletiva conhecida como: AS BRUXAS DE SALEM.

Em 1692, os EUA eram, ainda, uma colônia inglesa. Os colonos vinham, em grande maioria, da Europa católica e cristã. A vida se resumia, praticamente, em plantar, colher, comer e rezar – e matar os povos nativos e derrubar as florestas.

Um dos reverendo mais proeminentes da Salem, no estado de Massachusetts, era o Samuel Parris.

Em certo momento, uma de suas filhas, Betty de 9 anos e sua sobrinha, Abigail de 11, começaram a ter convulsões e desmaios.

Logo depois, juntou-se às duas crianças, a pequena Ann Putnam, que também estava sendo “amaldiçoada”.

Não tardou para as crianças começarem a afirmar que estavam sofrendo mordidas, beliscões e furadas por seres invisíveis, por forças estranhas.

O médico, sério e bastante respeitado da cidade, Dr. William Griggs, após profícua análise, concluiu que se tratava de bruxaria, de feitiçaria, de possessão demoníaca.

Logo uma histeria coletiva, abastecida por preconceito, radicalismos de toda ordem moral, religiosa e comportamental, iniciou uma verdadeira caçada às bruxas que haviam “enfeitiçadas” as crianças.

Consta que mais de 300 pessoas foram investigadas por bruxaria e 19 enforcadas. A maioria mulheres.

Como em toda histeria coletiva que se prese, ou seja, sem qualquer critério racional e lógico, as mulheres eram acusadas de bruxaria ora por “terem muitos filhos”, ora por “terem poucos filhos”, ora por “não terem filho algum”, ora por serem “pobres demais”, ora por serem “ricas demais”, ora por “morarem na rua”, ora “por serem velhas demais”.

Essa falta de justificativa ou, por outro viés, essas múltiplas e até contraditórias justificativas entre si para a perseguição praticada é comum em casos assim, já que “algumas pessoas já tem suas certezas e só precisam de uma justificativa que se encaixe”, disse-me meu pai, certa vez.

No caso das “Bruxas de Salem”, há um ingrediente a mais: o racismo e a xenofobia.

É que umas das três primeiras pessoas a serem caçadas, presas e julgadas foi a escrava Tituba.

Nominada como a “Bruxa Negra de Salem”, Tituba, pelo que os historicistas pesquisaram, era da América do Sul, de onde hoje é a Venezuela.

Por tal origem, não sendo branca e sendo estrangeira – o que é interessante, pois, ali, todos ao fim e ao cabo também o eram – foi acusada de feitiçaria e de ensinar magias à crianças.

Ela havia sido comprada, justamente, pelo reverendo Samuel Parris.

Como se sabe, em se tratando de teorias de conspirações, de histerias coletivas, basta um milímetro de inteligência para desmoronar toda a tese absurda, ora defendida.

Tituba vendo que nenhuma de suar argumentações contrárias às acusações dariam resultado e, após, muito ser torturada, resolveu “confessar”, já que para os habitantes puritanos de Salem, com a certeza que só os justos e tementes têm, a escrava estava possuída pelo próprio Diabo e com ele havia feito um pacto.

Tituba, ao ser julgada, usou isto em seu favor, defendendo a tese de que, como tinha sido possuída pelo Diabo e sendo este um ser ardiloso, enganador, não era culpada dos atos de bruxaria, mas, sim, ao revés, era vítima!

Teria dito: “o demônio veio até mim e ordenou que eu o servisse” e discorreu sobre várias histórias de feitiçaria por ela inventadas e nunca averiguadas, pois, a verdade não importava, afinal.

Mesmo tendo sido absolvida, Tituba ficou presa por mais 15 meses. É que o reverendo, no alto de sua cristandade de araque, não compareceu para pagar sua fiança, já que era dele a obrigação por se “seu dono”.

Em 1693, Tituba foi novamente vendida e desapareceu no mundão.

É muito impressionante e, ao mesmo tempo, assustador que 330 anos depois, a história vivida na pequena Salem ainda seja tão atual.

Lafayette Nunes

Sobre Lafayette

Xipaia... o último dos guerreiros!
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